--Alguns poemas do Romantismo--

Alguns poemas dos principais escritores brasilerios


Gonçalves Dias:


Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.


Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.




Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.



Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Álvares Azevedo:


Se Eu Morresse Amanhã


Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã,
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n’alva
Acorda ti natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!




Anjos do Céu


As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de luz...
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d'escuma revolvem-se nus!
E quando de noite vem pálida a lua
Seus raios incertos tremer, pratear,
E a trança luzente da nuvem flutua,
As ondas são anjos que dormem no mar!
Que dormem, que sonham- e o vento dos céus
Vem tépido à noite nos seios beijar!
São meigos anjinhos, são filhos de Deus,
Que ao fresco se embalam do seio do mar!
E quando nas águas os ventos suspiram,
São puros fervores de ventos e mar:
São beijos que queimam... e as noites deliram,
E os pobres anjinhos estão a chorar!
Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Por que não consentes, num beijo de amor
Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?




Castro Alves


A boa vista


Era uma tarde triste, mas límpida e suave...
Eu — pálido poeta — seguia triste e grave
A estrada, que conduz ao campo solitário,
Como um filho, que volta ao paternal sacrário,


E ao longe abandonando o múrmur da cidade
— Som vago, que gagueja em meio à imensidade,—
No drama do crepúsculo eu escutava atento
A surdina da tarde ao sol, que morre lento.


A poeira da estrada meu passo levantava,
Porém minh'alma ardente no céu azul marchava
E os astros sacudia no vôo violento
— Poeira, que dormia no chão do firmamento.


A pávida andorinha, que o vendaval fustiga,
Procura os coruchéus da catedral antiga.
Eu — andorinha entregue aos vendavais do inverno,
Ia seguindo triste p'ra o velho lar paterno.


Como a águia, que do ninho talhado no rochedo
Ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo,
— (Pra ver no céu a nuvem, que espuma o firmamento,
E o mar, — corcel que espuma ao látego do vento... )

Longe o feudal castelo levanta a antiga torre,
Que aos raios do poente brilhante sol escorre!
Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito
Mergulhando o pescoço no seio do infinito,


E lá de cima olhando com seus clarões vermelhos
Os tetos, que a seus pés parecem de joelhos! ...

Não! Minha velha torre! Oh! atalaia antiga,
Tu olhas esperando alguma face amiga,
E perguntas talvez ao vento, que em ti chora:
"Por que não volta mais o meu senhor d'outrora?
Por que não vem sentar-se no banco do terreiro
Ouvir das criancinhas o riso feiticeiro,
E pensando no lar, na ciência, nos pobres
Abrigar nesta sombra seus pensamentos nobres?


Onde estão as crianças — grupo alegre e risonho
— Que escondiam-se atrás do cipreste tristonho ...


Ou que enforcaram rindo um feio Pulchinello,
Enquanto a doce Mãe, que é toda amor, desvelo
Ralha com um rir divino o grupo folgazão,
Que vem correndo alegre beijar-lhe a branca mão?..."


É nisto que tu cismas, ó torre abandonada,
Vendo deserto o parque e solitária a estrada.
No entanto eu — estrangeiro, que tu já não conheces —
No limiar de joelhos só tenho pranto e preces.

Oh! deixem-me chorar!...Meu lar... meu doce ninho!
Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!
Passado — mar imenso!... inunda-me em fragrância!
Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.


Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões
Lançaram misturadas glórias e maldições...
Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!
Deixa est'alma chorar em teu ombro encostada!

Meu lar está deserto... Um velho cão de guarda
Veio saltando a custo roçar-me a testa parda,


Lamber-me após os dedos, porém a sós consigo
Rusgando com o direito, que tem um velho amigo...
Como tudo mudou-se! ... O jardim 'stá inculto
As roseiras morreram do vento ao rijo insulto...


A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros
A urtiga silvestre enrola em nós impuros
Uma estátua caída, em cuja mão nevada
A aranha estende ao sol a teia delicada! ...
Mergulho os pés nas plantas selvagens, espalmadas,


As borboletas fogem-me em lúcidas manadas ...
E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas,
Os grilos, que cantavam, calaram-se nas furnas ...


Oh! jardim solitário! Relíquia do passado!
Minh'alma, como tu, é um parque arruinado!
Morreram-me no seio as rosas em fragrância,
Veste o pesar os muros dos meus vergéis da infância,
A estátua do talento, que pura em mim s'erguia,
Jaz hoje — e nela a turba enlaça uma ironia!...
Ao menos como tu, lá d'alma num recanto
Da casta poesia ainda escuto o canto,
— Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,
E na gruta do seio murmura um tremo oculta.


Entremos! ... Quantos ecos na vasta escadaria,
Nos longos corredores respondem-me à porfia! ...

Oh! casa de meus pais! ... A um crânio já vazio,
Que o hóspede largando deixou calado e frio,
Compara-te o estrangeiro — caminhando indiscreto
Nestes salões imensos, que abriga o vasto teto.


Mas eu no teu vazio — vejo uma multidão
Fala-me o teu silêncio — ouço-te a solidão! ...
Povoam-se estas salas...


E eu vejo lentamente
No solo resvalarem falando tenuemente
Dest'alma e deste seio as sombras venerandas
Fantasmas adorados — visões sutis e brandas...
Aqui... além... mais longe... por onde eu movo o passo,


Como aves, que espantadas arrojam-se ao espaço,
Saudades e lembranças s'erguendo — bando alado —
Roçam por mim as asas voando pra o passado.


José de Alencar


Na ilha por vezes habitada


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


Manuel Antônio de Almeida


Arte de Amar


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.


As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Coisa Amar


Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.


Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi


desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.


Bernardo Guimarães:


A Orgia dos Duendes


I
Meia-noite soou na floresta
No relógio de sino de pau;
E a velhinha, rainha da festa,
Se assentou sobre o grande jirau.
Lobisome apanhava os gravetos
E a fogueira no chão acendia,
Revirando os compridos espetos,
Para a ceia da grande folia.
Junto dele um vermelho diabo
Que saíra do antro das focas,
Pendurado num pau pelo rabo,
No borralho torrava pipocas.
Taturana, uma bruxa amarela,
Resmungando com ar carrancudo,
Se ocupava em frigir na panela
Um menino com tripas e tudo.
Getirana com todo o sossego
A caldeira da sopa adubava
Com o sangue de um velho morcego,
Que ali mesmo co’as unhas sangrava.
Mamangava frigia nas banhas
Que tirou do cachaço de um frade
Adubado com pernas de aranha,
Fresco lombo de um frei dom abade.
Vento sul sobiou na cumbuca,
Galo-Preto na cinza espojou;
Por três vezes zumbiu a mutuca,
No cupim o macuco piou.
E a rainha co’as mãos ressequidas
O sinal por três vezes foi dando,
A corte das almas perdidas
Desta sorte ao batuque chamando:
"Vinde, ó filhas do oco do pau,
Lagartixas do rabo vermelho,
Vinde, vinde tocar marimbau,
Que hoje é festa de grande aparelho.
Raparigas do monte das cobras,
Que fazeis lá no fundo da brenha?
Do sepulcro trazei-me as abobras,
E do inferno os meus feixes de lenha.
Ide já procurar-me a bandurra
Que me deu minha tia Marselha,
E que aos ventos da noite sussura,
Pendurada no arco-da-velha.
Onde estás, que inda aqui não te vejo,
Esqueleto gamenho e gentil?
Eu quisera acordar-te c’um beijo ]
Lá no teu tenebroso covil.
Galo-preto da torre da morte,
Que te aninhas em leito de brasas,
Vem agora esquecer tua sorte,
Vem-me em torno arrastar tuas asas.
Sapo-inchado, que moras na cova
Onde a mão do defunto enterrei,
Tu não sabes que hoje é lua nova,
Que é o dia das danças da lei?
Tu também, ó gentil Crocodilo,
Não deplores o suco das uvas;
Vem beber excelente restilo
Que eu do pranto extraí das viúvas.
Lobisome, que fazes, meu bem
Que não vens ao sagrado batuque?
Como tratas com tanto desdém,
Quem a c’roa te deu de grão-duque?”


II


Mil duendes dos antros saíram
Batucando e batendo matracas,
E mil bruxas uivando surgiram,
Cavalgando em compridas estacas.
Três diabos vestidos de roxo
Se assentaram aos pés da rainha,
E um deles, que tinha o pé coxo,
Começou a tocar campainha.
Campainha, que toca, é caveira
Com badalo de casco de burro,
Que no meio da selva agoureira
Vai fazendo medonho sussurro.
Capetinhas, trepados nos galhos
Com o rabo enrolado no pau,
Uns agitam sonoros chocalhos,
Outros põem-se a tocar marimbau.
Crocodilo roncava no papo
Com ruído de grande fragor:
E na inchada barriga de um sapo
Esqueleto tocava tambor.
Da carcaça de um seco defunto
E das tripas de um velho barão,
De uma bruxa engenhosa o bestunto
Armou logo feroz rabecão.
Assentado nos pés da rainha
Lobisome batia a batuta
Co’a canela de um frade, que tinha
Inda um pouco de carne corruta.
Já ressoam timbales e rufos,
Ferve a dança do cateretê;
Taturana, batendo os adufos,
Sapateia cantando — o le rê!
Getirana, bruxinha tarasca,
Arranhando fanhosa bandurra,
Com tremenda embigada descasca
A barriga do velho Caturra.
O Caturra era um sapo papudo
Com dous chifres vermelhos na testa,
e era ele, a despeito de tudo,
O rapaz mais patusco da festa.
Já no meio da roda zurrando
Aparece a mula-sem-cabeça,
Bate palmas, a súcia berrando
— Viva, viva a Sra. Condessa!...
E dançando em redor da fogueira
vão girando, girando sem fim;
Cada qual uma estrofe agoureira
Vão cantando alternados assim:


Machado de Assis


Círculo Vicioso

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela !
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:


- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela !
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:


- Misera ! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume !
Mas o sol, inclinando a rutila capela:


- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?


Livros e flores


Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?


Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?


No alto

O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.


Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.


Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,


Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão.